Os muros que a igreja constrói...

Ontem a noite eu vi uma cena que marcou profundamente: Uma mãe caminhando com seus dois filhos ao lado, um mais a frente com a aparência normal, uma menininha na verdade, outro mais atrás claramente portador de necessidades especiais. Era um menino de uns 9 ou 11 anos de idade, caminhando com extrema dificuldade, com olhar perdido ele perseguia a mãe com a determinação de quem não quer ser deixado para trás.

Isso me desperta compaixão. E não estou sendo hipócrita ou demagogo, outro dia eu postei um texto dizendo que cachorros abandonados andando em bando me despertavam o amor de Deus, quanto mais uma criança com necessidades especiais. Ver aquele menino caminhar acelerado e com dificuldades atrás da mãe me fez pensar em até que ponto os dogmas atrapalham a nossa boa convivência familiar.

Porque falo isso?

Porque a mãe caminhava apressada, alheia à dificuldade do filho, tendo ao lado outra filha menor ainda que o menino com necessidades especiais, e na mão uma bíblia que, somada à sua aparência pentecostal, fazia dela uma evangélica que caminhava com pressa para não se atrasar para o culto daquela noite.

Muitas vezes a igreja faz mal, porque impregna no ser humano uma responsabilidade tão doentia com o dogma, o culto, o rito, ou um ritual, que tudo o mais deixa de ter e ser importante, e na hora do culto, ou no momento do rito, nada mais importa a não ser o culto, o rito, ou seja, a tradição religiosa se sobrepõe à própria vida humana.

Não estou dizendo que aquela mãe não deveria ir a igreja, tampouco que é ruim ser evangélica, por motivos óbvios, ir para a igreja continua sendo de extrema importância para a vida espiritual de alguém. É isso que eu prego. É isso que eu creio. Tento ao máximo viver isso. Mas as vezes não dá pra ir na igreja simplesmente. Porque a coisa mais importante para Jesus, o ser humano, está impossibilitado de ir. Ás vezes estamos doentes, cansados demais, longe demais, ou sei lá, não são poucos os motivos que nos impedem de freqüentar os cultos.

O que eu estou tentando dizer, e esta é apenas minha opinião, é que naquela cena me parecia que a mulher, a mãe do menino com necessidades especiais, não se preocupava com o filho, e devotava toda sua energia para chegar rápido ao culto, em detrimento de tudo o mais.
Ver aquilo não me fez bem.

Eu pensei com tristeza que eu fazia parte daquele sistema que preteria uma criança deficiente (vamos falar o português claro), em prol de uma ritual evangélico até certo ponto defasado. Ela chegaria ao culto, se sentaria em duros bancos de madeira, ao mais fiel estilo medieval, obrigaria duas crianças a ficarem caladas ao seu lado por pelo menos um hora e meia, as beliscaria se atrapalhassem a mensagem do pastor, porque aquele momento é sagrado, e aquele lugar, para ela é sagrado, e ela transmitirá isso a seus filhos nem que seja na marra.

Provavelmente aquele menino que eu caminhando com extrema dificuldade se casará naquela igreja pentecostal, e fará das idas ao culto um ritual sagrado como foi com sua mãe nem que isso lhe custe a saúde.

Também é verdade que o esforço pela fé (sendo otimista), é louvável. Nada mais importa para aquela família a não ser irem juntos para a igreja. Que bonito seria se alguém escrevesse sobre isso. Bem, esse alguém não sou eu, esse papel apologético não me pertence. E mesmo porque ao olhar aquela mãe caminhando sem sequer lançar olhares de soslaio para o filho, não me recordo de ver amor naqueles olhos cansados e apressados. Eles eram carrancudos, sisudos. Algo comum aos pentecostais históricos durante seus momentos de cultos.

Eu gostaria de ter escrito que a cena que vi era outra:

“Ontem eu vi uma mãe e dois filhos, aos quais ela lançava olhares de amor e proteção, não porque um deles era deficiente, mas porque os dois eram suas crias. Os três caminhavam lentamente, no mesmo passo do menino que mal podia se suportar em pé. Caminhavam ao seu lado para mostrar que naquele momento todos eram iguais. Me lembro que na mão da mulher havia uma bíblia, e eles passaram por mim cantando uma antiga canção evangélica sobre o sangue carmesim, por isso deduzi que rumavam para uma igreja.
Bem, isso era o mais natural, já que havia tanto amor naqueles três pares de olhos que se cruzavam com uma cumplicidade descomunal. Quando passou por mim vi paz e consolo nos olhos da mulher, sentimentos que sobrepujavam o aspecto cansado e a fisionomia judiada pelo tempo e pela lida. Ela me despertou cuidado e carinho. Ao vê-la, me lembrei de Jesus dizendo que Deus é aquela galinha que tenta juntar os pintinhos debaixo de suas asas.
Senti amor naquela família”.

Infelizmente não foi isso que eu vi.

Mais uma vez eu vi a igreja criando muros dentro da família. Aquilo que Jesus veio derrubar, os muros dos relacionamentos, a igreja constrói com uma maestria que impressiona até um dos mais inveterados pecadores, a saber, eu mesmo. Quero seguir crendo que a igreja é a tua vontade, que ela é teu povo, mas confesso: essas cenas e a minha solidão estão tornando essa crença uma tarefa utópica.

Ao Deus que salva seja a glória!

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