...de íntima compaixão...

Algumas coisas despertam sentimento estranhos em nós, coisas até certo ponto imbecis, ou que passaria desapercebidas para a maioria, ou que até podem ser percebidas, mas sem despertar nenhuma atenção especial, ou interesse exacerbado, como desperta em nós naquele momento. Isso aconteceu comigo, algo corriqueiro, até bobo, me chamou mais que os olhares, atraiu meu coração de uma forma pouco explicável.

Nos dias que passei em Florianópolis/SC, algo bastante singular e peculiar me despertou a atenção: a quantidade de cachorros peregrinando soltos pelas praias da ilha. Não são poucos, são muitos, em cada praia há dezenas deles vivendo como meninos de rua em meio aos moradores e turistas. Instintivamente se reúnem em bandos e vivem como se numa gangue canina que luta pela sobrevivência.

Até ai nada de especial, novo ou diferente, mas o estranho foi a cena de ver dois cachorros na praia, à procura de atenção de quem quer que fosse para um tempo de brincadeiras com eles. O que aqueles dois animais queriam não era nada fora do nosso alcance, eles queriam brincar; eles queriam atenção. Tentei, como limitadíssimo sucesso, chamá-los para perto de mim, pois alguém antes de mim encontrou um pedaço de madeira na areia e fez dele um disco de frisball.

Era engraçado e empático ver o bicho correr para o mar em busca do pedaço de madeira, e mais bacana ainda era vê-lo devolver aquele precioso brinquedo a quem quer que fosse para jogá-lo novamente, numa quase que infindável sessão de joga-bola-que-eu-pego-e-trago-de-volta.

E o que tem de novo ai? Que eu gosto de cachorro? Não, isso já sabem...o sentimento veio mais tarde quando eu me lembrei do Cristo, que habita em mim, no momento de intentar dedicar um pouco de carinho e atenção àquele animal solitário, brotou o seguinte pensamento: “SE EU SINTO COMPAIXÃO POR CACHORROS ABANDONADOS, O QUE DEUS SENTIRÁ DOS HOMENS E MULHERES ENTREGUES À PRÓPRIA SORTE POR AI”

E o texto bíblico que me veio à mente foi: “E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão e, possuído de intima compaixão para com ela, curou os seus enfermos” Mt 14:14.

Esse “íntima compaixão” é mais do que apenas ter dó, é se identificar com a dor do outro, como se algo em nossas entranhas se contorcesse de dor não por aquilo que eu estou passando, mas sentindo a dor e o sofrimento que meu próximo sente.

Se eu fui capaz de sofrer por um cachorro que queria atenção, o Deus que eu creio, e que habitou entre nós, é capaz de sentir um amor tão grande que não consigo entender, tampouco explicar, mas posso sentir, e devo imitar.

Quando Paulo escreve aos romanos ele diz: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada.
Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus.
Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou,
Na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus.
Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora.
E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” Rm 8:18-23.

Ontem eu vi a notícia de um monte de cachorros que eram usados em laboratórios na Espanha, e que por anos nunca viram sequer a luz do dia, ou pisaram em outra coisa que não num chão de aço inoxidável frio e ameaçador. Isso me causou revolta.

Viajando próximo ao interior do MS vi queimadas assolando boa parte das nossas plantações. Queimar o solo é como destruir nossa casa. É estúpido e ainda prejudicial a todo um ecossistema.

Ontem também a notícia da mãe que vendeu o filho recém nascido por míseros R$500,00, é só isso que vale uma vida??? Isso é ultrajante. “Eu matei porque ele reagiu. Se tivesse ficado de boa não teria morrido”, fala de um homicida justificando seu crime.

Um animal, a terra, meu próximo...todos gemem pela manifestação de amor de nossa parte: NÓS, IGREJA!

Mas, preferimos discutir doutrinas, ou construções, ou estratégias de crescimento, multiplicação, prosperidade, valor de uma hora na TV, próximo resort para o retiro de líderes, o próximo patuá a ser comercializado.

Perguntamos: AMAR, PORQUE? Amar não da lucro, nem status!

Não será enricando que cumpriremos nosso propósito. Não será profetizando (DE UMA VEZ POR TODAS A IGREJA PRECISA APRENDER QUE PROFETIZAR NÃO É ABRIR A BOCA PRA FALAR ASNEIRAS EVANGÉLICAS DE CURA E PROSPERIDADE). Somos nós que devemos mudar o mundo, e só faremos isso quando testemunharmos o amor de nosso Salvador, que está vivo e intercedendo por nós constantemente.

Enquanto isso a criação geme, na ansiosa expectativa da vida ao lado do seu Supremo Criador.

O que me acalma é a primeira parte da fala de Paulo: NADA SE COMPARA A GLÓRIA QUE SERÁ REVELADA QUANDO CRISTO VOLTAR.

Essa esperança me motiva a caminhar. Por ela eu continuo crendo. E nela me alicerço para viver de pregar, quer dentro ou fora das quatro paredes (porcamente tida como ÚNICA IGREJA).

Demorei muitos anos para entender isso, minha tribulação é leve e momentânea, meu sofrer pela próximo e pela terra é a expressão do amor de Cristo em mim, não é minha bondade, é Cristo em mim.

Sofro e choro porque também sou criação à espera da manifestação dos filhos de Deus. Regozijo-me na fé que, mesmo à margem da igreja que se acha detentora da graça, eu consigo comungar a fé num Deus de amor excelso e sublime.

Vivo a esperança de um dia fazer parte de uma igreja que se enxerga como agente excitante de mudança, não deposita noutros aquilo que ela pode e deve fazer, a saber: assistir o ser humano em sua integralidade.


Glórias ao Deus que transformará, simplesmente porque ama, as aflições do tempo presente em glória no tempo futuro.

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