No Caminho...

Em Atos 9:1-2 (NVI) lemos assim: “Enquanto isso, Saulo ainda respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor. Dirigindo-se ao sumo sacerdote, pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, de maneira que, caso encontra-se homens ou mulheres que pertencesse ao Caminho, pudesse levá-los presos a Jerusalém”.
Outro dia descobri que, graças a Deus, não sou evangélico, sou crente, e apenas o sou pois me agrada esta alcunha pejorativa (tal qual cristão era um apelido que denegria). Mas eu precisava de algo mais, pois “crente” não é uma terminologia bíblica. Fiquei alguns dias sem identidade, o que me é comum, pois moro no Mato Grosso do Sul, comumente chamado de Mato Grosso.
Mas eclesiasticamente é ruim não ter uma identidade, mas Deus é Senhor do tempo, e conversando com meu amigo Pr. Haroldo (que se prepara para ingressar no Caminho em São Paulo), fui arremetido ao texto supra citado de Atos dos apóstolos.
Quando Saulo, um irado e preconceituoso fariseu, um doutor da lei, criado aos pés de Gamaliel, anelava pelo fim da seita do nazareno, chegou junto aos lideres religiosos de seu tempo, e requisitou cartas afim de prender homens e mulheres que encontrasse pelo caminho, isso foi como uma dinamite no meu ser: “-hei, eu estou no caminho!”
no começo do Cap. 8 de atos, vemos a perseguição e conseqüente dispersão da igreja em Jerusalém, e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria. E São Paulo (até então apenas Saulo), encarcerava todos quanto podia, devastando a igreja.
Ele perseguia os cristãos, assim chamados primeiramente em Antioquia, não como designação honrosa, mas um insulto aos que estavam no caminho. Mas, que caminho é este? O que significa estar no caminho?
Após a ascensão de Cristo e o inicio da pregação missiológica com Pedro em Jerusalém, onde se convertem e são batizados cerca de três mil pessoas, estes passam a comungar e a conviver de uma forma diferente dos padrões do mundo. Lucas assim relata o modus vivendi da nova “seita”:
“E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”. (At 2:42-47)
É com dor na alma e tristeza no coração que olho para este texto, pois esta é a vida dos que estão no caminho, mas hoje estamos tão distantes dessa realidade. Posso dizer que persevero na doutrina dos apóstolos, nas orações, parto o pão uma vez por mês na Santa Ceia, mas minha comunhão é com os que estão à beira do caminho.
Por vezes me sinto assim à beira do caminho, já que não tenho comunhão com aqueles que tem seus nomes no rols de membro da igreja, na compartilho da mesma práxis litúrgica e não comungo com os da minha igreja, aliás, nem igreja eu tenho, apenas faço parte burocraticamente de uma entidade religiosa sem fins lucrativos, onde posso votar e ser votado (o que nunca fiz onde estou).
Mas me alivia o ser, saber que estar no caminho não significa pertencer a determinada igreja, ou seguir determinada doutrina, nem ainda se dizer crente ou evangélico, muito menos ser membro líder/atuante na minha denominação, estar no caminho é espiritual, é minha alma estar ligada ao Espírito de Deus, que testemunha de Cristo em mim, é perseverar na doutrina dos apóstolos e conhecê-la, e isso a bíblia me ensina; é comungar com meus irmãos de fé, e aqui cabe um parágrafo de explicação.
Véspera de natal participei de um culto em um assentamento a pouco mais de 30 km de Campo Grande, no momento onde teríamos batismos e ceia. Antes do rito batismal, visitei um dos batizandos, um senhor que ficou paraplégico após cair de uma árvore há nove meses atrás, sua situação era triste e humilde. Sua casa sem teto e de chão batido, fez com que minha oração com ele e sua esposa, servisse mais para o meu alento, do que propriamente para consolar ou fortalecer os da casa.
O batismo se deu num córrego perto, foi uma sensação de dever cumprido ver aquele homem descer às águas dentro da cadeira de rodas, ser imerso como ele é, com todo seu ser e sua extensão; vi com meus olhos homens e mulheres que perseveram acima das circunstancias na doutrina dos apóstolos (a foto do lado foi tirada quando voltávamos para a humilde capela construída pelos paternais americanos).
Quando chegamos, tive o privilegio de ministrar a ceia, partimos o pão como família, dentro da casa do Senhor, e comemos todos no pátio do templo, e tudo isso fizemos permeado por preces ao Pai Eterno.
Não éramos apenas um grupo de batistas reunidos para cumprir as ordenanças (mesmo porque outros evangélicos se faziam presentes), mas quando nos juntamos como corpo, vi que, no meio de um caso raro de reforma agrária bem sucedida, éramos apenas um grupo que, vinte séculos depois da conversão de Saulo, continuava perseverando no caminho.
Soli Deo Gloria

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